Ontologia
Neste documento eu resumo o que achei mais importante na parte primeira do volume segundo da coleção "Elementos de Filosofia" de Dom Thiago Sinibaldi.
Lembre-se: a Filosofia se divide em 3: lógica, metafísica, e moral. A metafísica divide-se em 3: ontologia, cosmologia, antropologia, e teodiceia. Esse documento é sobre Ontologia que é parte da metafísica que é parte da filosofia.
Além disso, os requisitos para se aprender a Filosofia são: humildade, oração constante, e amor pela verdade.
Quanto a oração, recitar o seguinte quantas vezes forem necessário para se colocar em espírito de estudo humilde e piedoso.
Oração a São José (São Pio X)
Glorioso São José, modelo de todos os que se dedicam ao trabalho, obtende-me a graça de trabalhar com espírito de penitência para expiação de meus numerosos pecados;
De trabalhar com consciência, pondo o culto do dever acima de minhas inclinações;
De trabalhar com recolhimento e alegria, olhando como uma honra empregar e desenvolver pelo trabalho os dons recebidos de Deus;
De trabalhar com ordem, paz, moderação e paciência, sem nunca recuar perante o cansaço e as dificuldades;
De trabalhar, sobretudo com pureza de intenção e com desapego de mim mesmo, tendo sempre diante dos olhos a morte e a conta que deverei dar do tempo perdido, dos talentos inutilizados, do bem omitido e da vã complacência nos sucessos, tão funesta à obra de Deus!
Tudo por Jesus, tudo por Maria, tudo à vossa imitação, oh! Patriarca São José!
Tal será a minha divisa na vida e na morte.
Amém.
Santo Agostinho, rogai por nós. Santo Tomás de Aquino, rogai por nós. São Bento, rogai por nós. Meu anjo da guarda, intercedei por mim.
Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo.
Amém.
Ontologia
Ontologia é a ciência, que trata do ente, enquanto ente.
O objeto da Ontologia é todo o ente, considerado sob o comuníssimo aspecto de ente.
Ente
Natureza e Divisão
Ente denote uma coisa, que existe ou pode existir.
Devemos distinguir a coisa (que existe ou pode existir) e a existência (de que é ou pode ser atuada a coisa). A coisa que é o sujeito da existência costuma chamar-se essência.
Pela definição nota-se que o conceito de ente se aplica em dois casos distintos: 1. o ente que existe e 2. o ente que pode existir. O ente que existe pode ser tomado como "particípio do verbo ser", enquanto o ente que pode existir é um nome.
Tomado como nome, ente significa uma coisa, ou uma essência, que é ou pode ser atuada pelo ser, ou pela existência.
O conceito de ente, enquanto nome, aplica-se a tudo o que existe ou pode existir, nesse sentido é dito comum. Além disso, ele é essencial a todas as coisas. Ou seja, não só ente é predicado de tudo o que se pode imaginar, mas também é predicado essencial (que faz parte da essência das coisas). Não há nada que não seja ente, e que não tenha ente como parte constitutiva de sua essência. O conceito de ente deve estar entre os de maior extensão possível. É o primeiro conceito que aparece no estudo de ontologia e que se aplica a tudo.
Entretanto, o conceito de ente como particípio tem aplicação mais restrita. Tudo aquilo que atualmente existe participa do conceito de ente enquanto particípio. Entretanto, apenas em Deus essa participação é essencial, sendo nas criaturas apenas uma participação contingente (que pode ser removida a qualquer momento). Somente em Deus o conceito de ente enquanto particípio é essencial, pois somente nele a essência inclui a existência.
A ideia de ente tem duas características bem interessantes: é dita transcendental e também abstrata. A princípio parece haver um conflito entre aplicar-se a tudo (ser transcendental) e ser abstrato, mas examinando cuidadosamente os termos, é possível ver que as duas características podem ser predicado de um mesmo objeto.
Ente é transcendental porque não está contida a uma espécie ou gênero. Aplicando-se a tudo o que existe ou pode existir, não há nada que não seja ente, e portanto o conceito de ente não pode ser restringido a uma espécie ou a um gênero. Entretanto, enquanto se aplica a tudo, ainda assim é dita abstrata.
Para entender a confusão, veja que mais comumente uma ideia é dita abstrata por representar algo que estava na realidade, mas que se encontrava junto a outros elementos que foram removidos pelo processo mental de abstração. Nesse sentido, ente não poderia ser dito abstrato, pois não há nada que possa ter sido subtraído e que não seja em si ente. Mas, o termo abstrato se aplica a um segundo caso, e nesse segundo caso ente é sim dito abstrato. O caso é o seguinte: uma ideia é dita abstrata (em 2o sentido) se representa de um modo indeterminado todos os elementos, que se encontram de um modo determinado numa coisa.
Ora, em um primeiro momento, este segundo sentido me pareceu ter sido tirado da bunda, mas se paro para pensar, vejo que a definição "algo da realidade que foi separado de outros elementos" vejo que esta definição supõe que coisas possam ser removidas. E quando não puderem? (Como é o caso de ente) Então, precisa-se considerar: o que está se concebendo representa todas as partes da realidade? Se sim, pergunta-se: o faz de forma indeterminada? Se sim novamente, temos uma ideia abstrata.
Veja: há 13 homens na última ceia. O termo homem aplica-se a todos,
entretanto, aplica-se de forma indeterminada. Pois conhecendo-se o
conceito de homem, ainda não se conhecem os homens que estão a mesa. A
definição portanto faz sentido. Me parece que pode ser sim equivalente
à primeira. Veja que o que foi removido das partes pelo processo de
abstração foi a "determinação". Entretanto, se "determinação" é um
ente, então a 2a definição é necessária de fato.
Seguindo o bonde, nota-se que após contemplado a ideia de ente, a mente imediatamente torna-se consciente do princípio da contradição: um ente não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto. Ora, um ente é aquilo que existe ou pode vir a existir. Se ele pode vir a existir, entendemos que no momento atual a coisa referida não exista, logo, no momento considerado, ela não existe. E vê-se que existir é diferente de não existir, caso contrário, ser e "poder ser" não seria diferentes entre si, e tudo seria ao mesmo tempo, o que é absurdo, uma vez que a mente conhece a mudança, e que a mudança só é possível por que as coisas existem em tempos diferentes. Portanto existir deve ser diferente de existir. E é claro, que para que o princípio seja válido devemos estar nos referindo a uma mesma coisa e portanto se diz "sob um mesmo aspecto". E além disso, é claro que em tempos distintos algo que era pode passar a não ser e vice versa, por isso se diz "ao mesmo tempo".
Este princípio da contradição é anterior a todos os outros princípios, e isso se dá tanto na ordem lógica como ontológica. Para entender isso, no momento, e para mim, basta avaliar que todo princípio deve ser uma relação entre ideias, e que quaisquer quer sejam essas ideias, elas se referem a algo que existe, e que portanto é ente, e do ente subentende-se o princípio da contradição. Além disso, qualquer juízo que seja candidato a princípio, ou seja, um juízo que se diga superior aos outros, assume que existem juízos falsos e verdadeiros, e que verdadeiro é diferente de falso, e portanto pressupõe o princípio da contradição.
Potência e Ato
Todo o ente, que existe na realidade (ou seja, o ente como particípio do verbo substantivo ser), ou é um ato puro, ou é um composto de potência e ato. Para melhor entender isso, ato e potência serão examinados a seguir.
Potência, em geral, significa capacidade de perfeição, ou aptidão para produzir ou receber alguma perfeição. Denota uma coisa, que precisa ser completada,ou aperfeiçoada. Em sua etimologia significa uma coisa indeterminada. Sendo indeterminada, a potência exprime, por si, uma imperfeição, ou uma ausência de perfeição. A potência não existe senão para o seu ato, o ato é o seu termo.
Antes de passar para o estudo do ato, divide-se a potência. A primeira divisão é entre lógica e real. Potência lógica refere-se a possibilidade de algo que não existe passar a existir. Potência real é a capacidade de um ente já existente tem de produzir ou receber uma perfeição. Dentre a potência real, distingue-se logo 2 classes de potência: ativa e passiva. Potência ativa é a capacidade que um ente tem de produzir, ou de comunicar uma perfeição. Potência passiva é a capacidade que um ente tem de receber uma perfeição.
Há ainda uma categorização das potências passivas, e que me pareceu muito estranha a princípio. Note que A) potência é a capacidade do ente de receber uma perfeição, e B) todo ato é a realização de uma potência. Veja que um dado ente que é alguma coisa em particular (e não apenas um ente abstrato): 1. recebeu uma determinação (uma forma substancial ou uma essência específica) para ser algo determinado e não algo indeterminado, e 2. recebeu a existência e passou a existir ao invés de apenas poder existir. Considerando B), pergunta-se então: de qual potência são os dois atos mencionados (os atos que levam à 1. forma substancial e 2. existência). A resposta: a potência formal é a capacidade de receber a forma substancial, e potência entitativa é a capacidade de receber a existência.
Passemos então ao ato:
Ato, em geral, significa perfeição. Enquanto a potência denota apenas a capacidade e por isso, a ausência de perfeição,o ato denota a perfeição, já existente.
A potência e o ato não são propriamente entes, mas princípios intrínsecos do ente.
Ato é uma coisa, pela qual uma outra coisa é efetivamente o que podia ser, ou pela qual uma outra coisa é dotada de uma certa perfeição.
Uma noção simplicíssima e universalíssima como as de ato e potência não pode ser rigorosamente demonstrada, porque não pode resolver-se em noções mais simples, e , por isso, mais universais.
Ato significa uma coisa que determina ou aperfeiçoa.
As divisões do ato são mais elaboradas que as divisões da potência: puro vs misto, formal vs entitativo, primeiro e segundo, subsistente e não-subsistente, completo e incompleto. Esta riqueza de classificação é necessária para entender as diferentes formas de entes, incluindo: a alma humana e os anjos. Não fosses estes entes especiais, poderíamos, me parece, ficar apenas com puro e misto, formal e entitativo, primeiro e segundo.
Mas antes que eu passe às divisões do ato, escrevo com minhas palavras sobre o ato. Sabemos que um ente é tudo o que é ou pode ser. Para começo de conversa, ato é aquilo, seja lá o que for, que determina que algo é e não simplesmente pode ser. Além disso, "aquilo que pode ser" é diferente de "aquilo que não pode ser", e portanto aquilo que pode ser é uma forma de ato, ainda que mais branda. Na medida em algo pode ser alguma coisa, nos referimos a potência, e na medida que algo de fato é alguma coisa, nos referimos ao ato. Os conceitos de ato e potência são portanto intrínsecos ao conceito de ente. Ainda que ente ocorra primeiro à nossa mente, logo percebemos que ato e potência não necessários para completamente entender o ente.
Vamos à suas divisões:
- Ato puro e ato misto
- Em primeiro lugar se pergunta se ente e potência podem existir concomitantemente no ente. Se nos depararmos com um ente que é ato e não possui potência, teremos um ato puro. Em caso contrário, haverá algo de potência e teremos um ato misto. Veja que não há caso de potência pura, pois qualquer potência é capacidade de algo fazer alguma coisa, e o fato de termos algo já indica a presença de ato.
- Ato formal e ato entitativo
- Quanto aos atos mistos, podemos retomar a análise que apresentei sobre as potência formais e entitativas. Se um ente é alguma coisa em específico, o ato formal, ou forma, é o que determina a essência a uma certa espécie. Já se um ente existe de fato (ao invés de apenas poder existir), então foi o ato entitativo, ou existência, que colocou à essência na realidade. Veja que tal discussão não faz sentido se tratamos de um ato puro, pois não existindo potência alguma, não há nada que precise ser determinado, e portanto não há ato formal nem colocado na realidade. Ou melhor dizendo: os atos formais e entitativos seriam triviais ou nulos para um ente em ato puro. Portanto, essas duas divisões aplicam-se apenas ao ato misto.
- Ato primeiro e ato segundo
- Ainda quanto aos atos mistos, pode-se perguntar: 1. se o ato determina o que algo é, ou se 2. determina a execução de algo que poderia ser atuado (seja operação ou seja alteração de propriedade) por um ente que é algo em particular. Em outras palavras: esse ato determina o que algo é, ou modifica o que algo é? No primeiro caso temos um ato primeiro, e no segundo temos um ato segundo. Note que o ato primeiro equivale ao conceito de ato formal, mas que ato segundo não equivale ao conceito de ato entitativo (existência).
- Ato subsistente e não-subsistente
- Quanto aos atos primeiros, podemos nos perguntar se estes atos, que em geral ocorrem em atos mistos, e portanto, na presença de potência, poderiam eles mesmos ocorrer fora dela. Se uma forma (ato primeiro) pode subsistir fora da potência temos um ato subsistente, e se não pode, temos um ato não-subsistente.
- Ato completo e incompleto
- Dentre os atos primeiros subsistentes (que são também mistos, e primeiros), pode ainda diferenciar-se a alma humana da alma dos anjos. Os anjos (ato subsistentes) são ditos completos, e a alma humana incompleta. Já quanto aos motivos, eu achei detalhe de mais para essa introdução resolvi e não clarificar. Para mais detalhes, conferir página 37.
Finalmente, tendo avaliado ato e potência, estuda-se a relação entre ambos, e isto é feito no livro por meio de 6 axiomas. Notar que busca-se os princípios essenciais das coisas, e que portanto a discussão trata da potência passiva e do ato primeiro (que determina a forma substancial, ou aquilo que determina o que algo é). Alguns dos princípios achei trivial, e outros achei interessante e refleti sobre. A seguir listo os axiomas, e deixo em negrito os princípios que me chamaram a atenção. Para mais detalhes, conferir a discussão que se inicia na página 37.
- I. A potência e o ato são os princípios constitutivos de todo o ente mutável
- II. A potência e o ato pertencem ao mesmo gênero
- III. A potência e o ato são coisas realmente distintas
- IV. O ato especifica a potência
- Deve-se perguntar: a tartaruga nada (tem o potencial de nadar) por que é tartaruga (porque é ato primeiro, forma, de tartaruga), ou é tartaruga por que nada? Esse princípio diz que a tartaruga nada porque é tartaruga. Outro exemplo: as capacidades que temos, as temos porque somos humanos, e não é a soma das nossas capacidades que nos torna humano. Diz Sinibaldi que "o ato dá a espécie à potência", ou "a potência recebe do ato a espécie".
- V. A potência limita o ato
- Nota: aqui me parece que o ato limitado é o ato segundo, enquanto nos itens anteriores se refere ao ato primeiro.
- Se eu estiver certo: a tartaruga não pode voar porque é tartaruga, e uma vez que não tem a potência para voar, não pode receber o ato de voar.
- VI. A potência multiplica o ato
- O fato de existirem vários entes que são ao mesmo tempo distintos entre, e de uma mesma espécie (ato primeiro, forma), precisa ser explicado. O princípio de multiplicação deve estar ou no ato ou na potência, pois ato e potência são exaustivos quanto ao que há dentro de um ente. Se este princípio estivesse no ato, então haveria em dado ente A da espécie X, uma perfeição que é diferente de um ente B da mesma espécie X. Por tanto, poderíamos mesmo dizer que os entes são da mesma espécie? Parece aos Escolásticos que não. E por exclusão, o princípio de multiplicação deve ser encontrado na potência. De modo que um ser que é ato puro não pode ser multiplicado (ser mais do que um).
- VII. A potência não pode adquirir o ato, se não lho comunicar um outro ente, que já o possua de algum modo
- VIII. O ato pode existir sem a potência; mas a potência não pode existir sem o ato
Essência e existência
Viu-se que um ente denota uma coisa que existe ou pode existir. A coisa que existe é a essência, e o fato dela existir ou não é determinado pela sua existência. Diz-se que o ente é composto de essência e de existência.
Essência é a coisa, pela qual um ente é o que é.
É a coisa a qual constitui um ente numa certa espécie, ou num certo gênero, e o distingue dos entes das outras espécias, ou dos outros gêneros.
Ao contemplar o conceito de ente (o que é ou pode existir) nossa mente nota que os entes são diferentes. Ora, se assim o são é porque existe algo que os torna diferente. Essa coisa, que a princípio não conhecemos, mas que torna um ente diferente de outro (ou seja, não são o mesmo) é a sua essência.
Antes de adentrar as divisões da essência, estudo o conceito de existência.
Existência é o ato, ou a realização da essência;
É a perfeição, que tira a essência, em que é recebida, do estado de possibilidade, colocando-a no estado de atualidade.
A existência, ou o ato de ser, é o ato, ou a atualidade, de todos os outros atos, e por isso, é a perfeição de todas as perfeições. Segundo os escolásticos: a existência é a última atualidade de uma coisa. Notamos que o ser e a existência, embora se empreguem como termos equivalentes, contudo não significam uma e a mesma coisa. Porquanto, o ser significa tudo o que um ente é e possui, modelado e vasado no molde da essência, e por isso, significa toda a perfeição, de que o ente é dotado, incluída a existência; ao passo que a existência por si indica apenas a posição do ente fora das suas causas, e não tudo o que o ente possui.
Ao notarmos que alguns entes existem e outros apenas podem existir, vemos que os que existem devem possuir algo que os que apenas podem existir não possui. Essa coisa que possuem é a existência. Relembrando a definição de ato, que é a coisa pelo qual algo que poderia ser de fato é, vemos que a existência é um ato.
Voltemos então às divisões da essência, passemos à divisão da existência, e comentemos como essas duas coisas se comportam nos entes finitos e infinitos.
Quanto as divisões da essência, ela pode ser (ver definições na página 49):
- Possível ou atual
- substancial ou acidental
- é física quando os seus elementos são concretos, reais e realmente distintos; é metafísica quando os elementos são abstratos, lógicos logicamente distintos, denotando o gênero e a diferença.
Seguem-se então algumas proposições sobre a essência:
- A essência é uma coisa real e objetiva
- A essência encontra-se não só na sustância mas também no acidente
- A essência substancial não é uma simples coleção de qualidades
- a qualidade, como todo e qualquer acidente, denota uma coisa, que não constitui o ente no seu ser primeiro, mas sobrevém ao ente já constituído e subsistente em si mesmo. Ora, o que se une a um ente, já constituído no ser primeiro, não pode entrar, como elemento, nessa primeira constituição.
- Nem todas as essências nos são desconhecidas
- A essência das substâncias corpóreas é composta
- As essências criadas são:
- necessárias com relação aos elementos específicos que as constituem
- indivisíveis, em quanto não podem receber ou perder um elemento, sem que fiquem destruídas
- eternas enquanto consideradas em si e em abstrato, prescindindo de toda e qualquer diferença de tempo, e também enquanto existem, desde a eternidade, nas idéias arquetípicas do Criador.
E então algumas proposições sobre a existência.
- A existência encontra-se na substância e no acidente
- Nos entes finitos, a existência refere-se à essência, como o ato a potência
- A existência reduz-se à categoria da essência
- O ente finito é composto de essência real e de existência real
- No ente finito, a existência distingue-se logicamente da essência
- Nota: uma coisa distingue-se logicamente de outra, quando o conceito da primeira é diverso do conceito da segunda.
- No ente finito, a existência distingue-se realmente da essência
- Nota: duas coisas são realmente distintas entre si, quando uma não é outra.
- Se fossem os dois a mesma coisa, todo ente que existe teria a existência como parte da sua essência, e seria portanto necessário e nunca deixaria de existir. Como de fato notamos que entes do dia a dia (aka os entes finitos) existem e deixam de existir, é necessário que neles a existência seja distinta da essência.
- No ente infinito, a existência não se distingue realmente da
essência.
- Deus existe em virtude ou pela exigência da sua essência, e por isso, a existência constitui a sua essência.
Antes de deixar esse artigo, discuto com minhas palavras os conceitos de 1.ato e 2.potência, 3. essência e 4.existência.
O conceito que estamos estudando é o do ente: aquilo que é ou pode existir. Apresentou-se primeiro o conceito de ato: aquilo que determina que algo é, ao invés de apenas poder ser. E então de potência: aquilo que determina as perfeições que o ato pode produzir ou receber. E estes dois conceitos compõe o ente. Em seguida se apresentou a essência: aquilo pelo qual o ente é o que é. E também o conceito de existência: aquilo que determina que o ente seja, ao invés de simplesmente poder ser. Me parece mais claro a princípio que potência seja um conceito distinto de essência, mas a linha entre ato e existência não está clara.
Primeiro analisemos potência e essência. Tomemos o meu gato Hércules como ente. Percebo que ele existe na atualidade e que é alguma coisa. Dentre todas as coisas que existem, o Hércules é uma coisa diferente de todas as outras. Seja lá o que for que o torna o que é, essa coisa se chama essência. Além disso, o Hércules pode correr, mas não pode voar, ele pode receber carinho, mas não pode receber a racionalidade, e isto é determinado pela sua potência. Vê-se que "ser algo em particular" é diferente do conceito de "os atos que algo pode receber". Noto ainda que "essência" contém uma forma de ato, pois "ser o que algo é" uma forma de determinação. Não tenho dúvida de quer essência e potência são realmente conceitos distintos.
Passemos à análise de ato e existência. Me parece que existência é uma forma de ato. É o ato que determina que o ente exista atualmente, ao invés de apenas poder existir. Consideremos novamente o Hércules. Note que ele pode estar molhado e pode estar seco. Se estiver molhado é porque existe um ato que está determinando que ele assim esteja. De qualquer forma, estando molhado ou estando seco, o Hércules existe, e portanto sua essência está recebendo o ato que determina que ele exista na atualidade. Enquanto os escolásticos dizem que a existência é ato último, me parece mais que é ato primeiro. Outra coisa que noto é que o ato, aquilo que determina que algo seja, pode ser mais abstrato que a existência. Como disse anteriormente, há algo de ato na determinação de uma essência. Tome o número 2 por exemplo. Em vez de ser algo indeterminado, ele é uma coisa em particular, e isso só pode se dar por um ato. Enquanto a existência determina que ele exista, há um ato primeiro, e anterior a existência, que determinou que o número 2 fosse algo em particular. Vejo aqui, que somente algo que é algo em particular pode receber a existência, e portanto a essência é anterior à existência, e há um ato que determina a essência que deve ser anterior a ela e portanto anterior também à existência. Deve ser o caso finalmente, que ato e existência sejam conceitos distintos, por mais que existência seja um caso particular de ato.
Tento relacionar por último os 5 conceitos (ente, ato, potência, essência, e existência). Ente é tudo aquilo que é ou pode ser. Se o ente é algo em particular (é aquilo, e não aquilo outro), diferente de todos os outros entes, só o pode ser devido a sua essência, e o fato de sua essência ser determinada indica a presença de um ato que a determinou. Enquanto o ente é, ao invés de apenas poder ser, é porque ele possui a existência, que é também uma forma de ato, uma forma particular de ato. E por último, se é verdade que as perfeições que um ente pode receber ou exercer estão limitadas, isso se dá porque naquele ente há uma potência que limita suas perfeições. De fato, deve haver um ato primitivo que determina as potências do ente, e as potências estão relacionadas com a essência do ente, apesar de serem conceitos diferentes.
Em resumo:
- Ente
- o que é ou pode ser
- Ato
- o que determina que algo seja
- Potência
- o que determina os atos que o ente pode exercer ou receber
- Essência
- o que determina que algo seja o que é (sua espécie, e seu gênero). Envolve tanto ato como potência.
- Existência
- o que determina que algo seja ao invés de apenas poder existir. É uma forma de ato.
Ato e potência me parecem os conceitos mais primitivos, enquanto essência e existência são os conceitos mais úteis no dia a dia. Há algo aqui análogo aos conceitos de: próton, elétron, átomo. Próton e elétron seriam partículas elementares, mas na natureza encontramos mais facilmente o composto de elétron e próton conhecido como átomo. De fato, notamos primeiro que o mundo é constituído por coisas/entes distintas entre si (de diferentes essências), e de coisas que existem em oposição ao outras que podem vir a existir. Só depois de um processo de reflexão notamos os conceitos de ato e potência.
Possibilidade do ente
Para finalizar este capítulo, o compêndio dedica algumas páginas a estudar a possibilidade:
Possibilidade é a aptidão do ente para existir. O ente possível, pois, é o que não existe, mas é capaz de existir. A existência atual do ente pressupõe a sua possibilidade.
Notando que o ente é tudo aquilo que é ou pode vir a ser, vemos que a possibilidade de vir a ser é alguma coisa. Seja lá o que foi que faça que algo possa vir a ser, a isso chamaremos possibilidade.
A possibilidade (a aptidão para existir) pode ser de duas formas: intrínseca ou extrínseca. A intrínseca se dá devida a sociabilidade das notas que constituem o ente. Ou seja, se as notas são tais que possam unir-se entre si, convivendo mutualmente em um mesmo ente. A extrínseca se dá baseada na suficiência da causa eficiente.
Por exemplo: é possível intrinsecamente que um quadrado tenha 2 metros quadrados de área. Não nada, nem no ser nem na ideia, de "ser um quadrado" e "ter 2 metros de área", que repugne um ao outro. Portanto o quadrado de 2m2 de área tem a possibilidade (é possível). Entretanto, repugna intrinsecamente que um quadrado seja também um círculo. Já quanto à possibilidade extrínseca, diz-se que o estado de coisas em que Juarez e Luiza tem filhos e possível, pois considerado o estado de coisas atuais, é suficiente que Juarez, Luiza, e Deus, cooperando entre si, produzam o estado de coisas em que Juarez e Luiza tenham filhos. Em contrapartida seria impossível que Juarez e Luiza cooperando entre si fizessem um estado de coisas em que Luiza é mais nova que Juarez. As causas (Juarez com 29 anos e Luiza com 33 anos) não seria suficientes para produzir o novo cenário.
Aqui cabe uma pergunta: o ente possível é realmente alguma coisa? Nossa mente certamente distingue entre o nada e o ente possível e o ente real. O "nada" por exemplo, não pode vir a ser, enquanto o "ente possível", pode. O ente possível é a mesma coisa que potência? Não de tudo. Note que a potência limita as perfeições que um ente pode receber. Aqui estamos falando de todo um ente possível, e não de possibilidades para um ente que já existe. O ente possível seria uma essência? Sim e não. Sim porque há um conjunto de notas que pode vir a constituir um ser, mas não, por que uma essência denota aquilo pelo qual algo que é (e não que pode vir a ser) é o que é. A possibilidade é portanto diferente de potência, de essência, e do nada. Veja que ela não pode ser apenas uma ideia, ou um ente lógica. Pois uma ideia é um sinal que nos leva a conhecer algo da realidade. Se fosse a possibilidade apenas uma ideia, a que realidade estaria essa ideias nos apontando?
O que seriam então alucinações? Me parece, e aqui são minhas palavras, não as do compêndio, que uma alucinação é um engano produzido pelos sentidos do corpo, seja por doença ou por uso de drogas. Em uma alucinação, os sentidos se confundem, e trazem ao espírito uma ideia enganosa. A ideia de fato aponta para algo que é real - a confusão dos sentidos - mas é enganosa se a tomamos por informar sobre uma realidade extrínseca aos sentidos. Assim: uma alucinação é uma ideia que aponta para a realidade da confusão dos sentidos. Noto que quando digo sentidos, me refiro a parte do homem que é o corpo, e isto inclui tanto os órgãos sensitivos como o sistema nervoso, ao qual que referirei como mente corpórea. Engano sobre os órgão do sentido é uma miragem, enquanto um engano no sistema nervoso seria propriamente uma alucinação.
Em uma experiência que eu tive com droga alucinógenas, eu vi um olho de fogo na parede. Eu sabia que olho não era real, apesar de saber que estava vendo um olho. O meu espírito não estava confuso, mas apenas a minha mente corpórea, pois a droga afetou o corpo e não o espírito. Imagino que seja possível que meu espírito se confunda, pois já ouvi casos de assassinatos horrorosos que ocorrem em tais circunstâncias. Nessas situações, o erro dos sentidos foi tomado pelo espírito como verdadeiros, e o espírito de livre vontade optou por ações que levaram a pecados terríveis.
No entanto, nada disso tem a ver com os entes possíveis. Estes não são erros produzidos pela mente corpórea, mas sim algo na realidade que possui um certo nível do ser, e assim o sabemos pelo processo de reflexão. Após contemplarmos que no mundo há coisas que são, compreendemos também que o contrário de ser é o nada, e então compreendemos que as coisas mudam, e que existem estados de coisas que podem vir a ser, mas também que existem estados de coisas que jamais poderiam vir a ser. E isso ocorre de duas formas: ou porque não há causas suficientes para levar o estado de coisas ao estado considerado (possibilidade extrínseca), ou porque nas próprias notas constitutivas do estado considerado existem contradições. E portanto compreendemos que aquelas coisas que podem vir a ser (por um modo ou outro considerado) são diferentes do nada, e somos forçados a reconhecer que possuem sim algum grau de ser. E por fim, ao considerarmos o conceito mais abstrato que encontramos, o de "ente", vemos que ele inclui também as possibilidades, e dizemos que ente é tudo aquilo que é ou pode vir a ser.
Listo alguma proposições sobre a possibilidade:
- O ente intrinsecamente possível possui uma essência de ordem ideal
- A intrínseca possibilidade do ente depende - próxima e intrinsecamente da essência do próprio ente, - remota e extrinsecamente da Essência de Deus.
- A intrínseca possibilidade do ente depende da Essência divina, enquanto Essa é conhecida pela divina Inteligência como imitável.
Divisões do Ente
Este capítulo apresenta 4 divisões do ente. Em cada divisão há duas classes: uma que engloba Deus (ato puro, necessário, infinito, simples, e imutável), e outra que engloba as criaturas (ente que consta de ato e potência, é contingente, finito, composto, mutável). Em cada uma da divisões, mostra-se que o as criaturas pressupões o Criador. Além disso, a existência de apenas uma criatura pressupõe o ente infinito, e o conhecimento de Deus se faz a partir do conhecimento das criaturas.
Agora, deixo aqui meus comentários quanto a este capítulo.
Em nosso estudo de ontologia estudamos o ente, tudo aquilo que é ou pode ser. Após termos estudado o que compõe o ente, ou então noções adjacentes para entender o que é um ente, passa-se a classificar os entes, e isso é feito com base em características metafísicas gerais.
Primeiro nota-se que se ente é composto de ato e potência, pode-se imaginar dois tipos de entes: ato puro e ente composto de ato e potência. Notamos que o ente que é ato puro não tem algo que o limite, e se é ato puro e não tem limite, não a nada que o possa limitar. Sendo a não atualidade uma forma de limitação, o ente ato puro deve existir para sempre, e aquilo que existe sempre somente o pode fazer por conta de sua essência, pois não haveria algo anterior que lhe pudesse convir a existência. Se é que existe algo nessa categoria de ato puro, este algo deve 1. existir por sua essência (ser necessário), e 2. ser infinito.
Em seguida observamos os entes do dia a dia, e vemos que todos parecem entes compostos de ato e potência. Enquanto de fato existem, são limitados por suas potências. Ora, mas se são limitados, e se sua essência não exige sua existência, essa existência lhe foi dado por outro ente. Esse outro ente ele mesmo se for composto, requer que sua existência lhe tenha sido concebida por outro ente. Essa cadeia somente pode terminar se chegarmos a um ente primeiro, que existe necessariamente, e que tire sua existência de sua própria essência, o que, como vimos, o faz ato puro.
Em um outro momento notamos que os entes do dia a dia são todos limitados, e nossa mente depois de reflexão concebe o conceito de "ente sem limites". De forma similar ao que foi dito, a existência de um só ser limitado nos leva a concluir que deve haver um ser ilimitado, que é ato puro, e que é capaz de transmitir ao ser limitado a sua existência.
Aqui começa-se a ver que todas estas coisas andam junto: ser ato misto e ser limitado e ser contingente, todas essas 3 características são próprias dos seres do dia a dia. E a existência de um destes seres nos leva a concluir a existência de um ente de ato puro, que é perfeito por sua própria natureza, e ilimitado.
O capítulo segue ainda por duas divisões do ente: simplicidade vs composto, imutável vs mutável. E em ambas um raciocínio análogo nos leva a ver que um ser simplicíssimo e imutável deve ser a causa primeira dos seres compostos e mutáveis do dia a dia.
Além de tudo disso, algumas distinções são apresentadas ao longo do caminho. Por exemplo: algo pode ser simples de 3 formas distintas. Um ponto é simples e não pode ser dividido, mas sua simplicidade é pobreza de notas. Além disso, o conceito de "ente" é simples, entretanto abstrato. E há uma terceira e mais rica forma: a simplicidade metafísica de Deus. É sobre esta forma de simplicidade que se trata a prova da existência de Deus.
Todas esta distinções são interessantes, mas eu as deixarei para uma possível segunda leitura. No momento escolhi passar voando por essa capítulo. No geral, me parece que a mensagem desse capítulo é que basta meditar sobre qualquer aspecto limitado da realidade para entender a necessidade de um ser ilimitado. Deus, muito obrigado por deixar tantos vestígios! No instante em que eu digito isso, sei que já sabes de todas as minhas limitações que jamais serei capaz de superar, e sou grato por ter me dado tais limitações, pois meditando sobre elas sou capaz de concluir a vossa completíssima existência, ó vós a fonte de todo o ser.
Eu passarei a seguir pelos 4 artigos de uma tacada só, tomando nota das definições, e das proposições.
Ente necessário e ente contingente
Ente necessário e o que existe por si, pela exigência da sua essência, e por isso, não pode deixar de existir. Ente contingente é o que existe acidentalmente, não pela exigência da sua essência, mas pela causalidade de outro ente, e por isso, é indiferente para a existência e para a não existência. No ente necessário, a existência é um elemento da essência.
Proposições:
- O ente, que é ato puro, é necessário; e o ente que é necessário é ato puro.
- O ente, que consta de ato e de potência, é contingente; e, o ente, que é contingente, consta de ato e potência.
- O ente necessário é eterno
- O ente contingente e produzido por uma causa extrínseca
- O ente contingente é produzido, imediata ou mediatamente, pelo ente necessário
Ente infinito e ente finito
Ente infinito é o que é dotado de uma realidade ou perfeição ilimitada, de modo que é a própria perfeição. Ente finito é o que é dotado de uma realidade ou perfeição limitada, de modo que, só possui a perfeição conveniente a um gênero ou a uma espécie.q
Proposições:
- A nossa inteligência possui uma ideia distinta do infinito
- O infinito é cognoscível e conhece-se efetivamente pelo finito
- O finito é cognoscível em si mesmo
- O ente que é ato puro, é infinito; o ente que é infinito, é ato puro.
- O ente que consta de ato e de potência, é finito; o ente que é finito, consta de ato e de potência;
- O ente infinito é necessário; o ente necessário é infinito.
- O ente finito é contingente; o ente contingente é finito.
- A existência dos entes finitos supõe a existência do Ente infinito.
- Corolários:
- Dada a hipótese da existência real de um só ente finito, deduz-se, legitimamente, a existência do Ente infinito.
Ente simples e ente composto
Ente simples é o que não tem partes, e por isso, é indivisível. Ente composto e o que tem partes, e, por isso, é divisível.
Nota: há 3 formas de entes simples (negativo, positivo, e abstrativo). E há 3 formas de ente composto (físico, metafísico, e lógico).
Proposições:
- O ente que é ato puro, é absolutamente simples; o ente que é absolutamente simples, é ato puro.
- O ente composto não pode ser ato puro.
- O ente que é absolutamente simples, é necessário e infinito; e vice-versa
- O ente que é composto, é contingente e finito; e vice versa.
- O ente composto depende de uma causa extrínseca
- O ente composto depende, imediata ou mediatamente, do ente simples.
Ente imutável e ente mutável
Ente imutável é o que não está sujeito à mudança, isto é , que não pode passar de um estado para outro, da potência para o ato. Ente mutável é o que está sujeito à mudança, isto é, que pode passar de um estado para outro, da potência para o ato.
Há duas formas de imutabilidades: absoluta e relativa. E 3 elementos em uma mudança: um princípio, um termo, e um sujeito. A mudança pode ser ser: intrínseca vs extrínseca, instantânea vs sucessiva, substancial vs acidental.
Proposições:
- O ente que é ato puro, é imutável; e vice versa
- O ente mutável não pode ser ato puro
- O ente imutável é necessário, infinito, simplicíssimo; e vice versa
- O ente mutável é contingente, finito, composto; e vice versa
- O ente mutável supõe o ente imutável